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Referência: LEFFA, V. J. Uma outra aprendizagem é possível: colaboração em massa, recursos educacionais abertos e ensino de línguas. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 55, n. 2, p. 353-377, 2016.

 

UMA OUTRA APRENDIZAGEM É POSSÍVEL: COLABORAÇÃO EM MASSA, RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS E ENSINO DE LÍNGUAS

ANOTHER LEARNING IS POSSIBLE: CROWD SOURCING, OPEN EDUCATIONAL RESOURCES AND LANGUAGE TEACHING

Vilson J. Leffa

Resumo: O uso de Recursos Educacionais Abertos (REAs) tem despertado a atenção dos pesquisadores na área da educação pelas contribuições que pode trazer para o desenvolvimento da aprendizagem, incluindo o ensino de línguas. Um dos problemas encontrados, no entanto, tem sido a dificuldade de adaptação dos REAs a diferentes contextos de aprendizagem, na medida em que vêm prontos para o professor e não apresentam facilidades de modificação. O objetivo principal deste trabalho é descrever os resultados obtidos com um sistema de autoria que permita ao professor produzir e/ou adaptar REAs que atendam às necessidades específicas de seus alunos. Para isso, usa-se como metodologia de desenvolvimento o recurso de software livre, com base na linguagem PHP, em uma concepção de colaboração em massa, em que cada REA pode ser desmontado em seus componentes básicos pelo professor, remontado com modificações e redistribuído para outros professores. Esses outros professores, por sua vez, usando o princípio da modularidade elástica embutida no sistema, podem repetir o processo e introduzir novas modificações, criando um amplo acervo, praticamente sem limites de acesso, de espaço para armazenamento e de possibilidades de modificação. Os resultados, conforme exemplos produzidos e modificados por professores, mostram, do lado positivo, a viabilidade do sistema em produzir REAs adaptados a diferentes contextos de aprendizagem. Do lado que precisa ser melhorado, percebe-se a necessidade de o professor se adaptar ao mundo virtual, produzindo materiais mais interativos, muito além do texto impresso em papel.

Palavras-chave: Recursos Educacionais Abertos; Objetos de Aprendizagem; Tecnologias de Aprendizagem

 

Abstract: The use of Open Educational Resources (OERs) has called the attention of educational researchers for the contribution they may bring to learning, including language teaching. One of the problems found, however, is the difficulty of OERs to adapt to different learning contexts because they come ready made for the teacher and are resistant to changes. The main objective of this paper is to describe the results of an authoring system that allows teachers to produce and/or adapt OERs that serve the specific needs of their students. Using this authoring system, based on open source code, teachers, within the massive collaboration approach supported by the system, can disassemble OERs into their basic components, reassemble them with modifications and redistribute them to other teachers. These other teachers, in turn, using the elastic modularity principle embedded in the system, may repeat the process and introduce new modifications, creating a large repository, without practical limits in terms of access, storing space and modification possibilities. The results, according to examples produced and modified by the teachers, show, on the positive side, the capability of the system to produce different OERs adapted to different learning contexts. On the other hand, the need for teachers to adapt themselves to the virtual world, producing more interactive materials, well beyond the printed text on paper, is also felt.

Keywords: Open Educational Resources; Learning Objects; Learning Technologies

 

INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é mostrar a evolução dos Objetos de Aprendizagem (OAs) (WILEY, 2000a; WISC-ONLINE, 2005; LEFFA, 2006) até chegar aos Recursos Educacionais Abertos (REAs) (ATKINS; SEELY BROWN; HAMMOND, 2007; WILEY, 2007; DOWNES, 2007; SANTOS, 2013), considerando aspectos teóricos e práticos. Para os aspectos teóricos, traz-se, como metáfora, a concepção de Demócrito (apud PFEFFER; NIR, 2001), filósofo grego do século V a. C., de que a matéria é não só constituída de partículas, mas também da configuração dessas partículas, que são rearranjadas internamente em diferentes combinações, produzindo diferentes substâncias. A tese defendida aqui é de que o termo “aberto”, que compõe a sigla REA, pode ser usado não só no sentido de “aberto para acesso”, mas também de “aberto a mudanças”, desde que pela reconfiguração das partes propicie a reconstituição de um outro REA, retomando aí a visão de Demócrito. Em termos práticos, para implementar a proposta, apresenta-se um sistema computacional para a produção de REAs, com base nos recursos da colaboração em massa, propiciados pela internet e visando a aprendizagem de línguas. É o que se tenta demonstrar neste texto, dividido em três partes, assim distribuídas:

Na primeira parte faz-se um resumo da caminhada teórica que vai do conceito de objeto de aprendizagem até Recurso Educacional Aberto. É aí que se recorre à concepção de Demócrito sobre a constituição das substâncias do universo e mostra-se sua atualidade para abordagens da ciência da computação com base na programação orientada a objetos (MEYER, 1988), trazendo os conceitos de modularidade, recursividade, polimorfismo e principalmente o de modularidade elástica, proposto neste trabalho.

Na segunda parte, descreve-se e justifica-se a opção pelos REAs, detalhando cada um de seus elementos: (1) o que significa o termo “recurso” e por que optar por ele; (2) como se constitui o conteúdo “educacional” dentro de um recurso; e (3) o que torna um recurso “aberto”, considerando os aspectos de acessibilidade e mutação.

Finalmente, na terceira parte, tenta-se a instanciação desses elementos teóricos em um sistema de autoria, de natureza prática, permitindo que professores de línguas criem, recriem e adaptem seus próprios REAs, encapsulando recursivamente módulos menores em atividades maiores que atendam às necessidades de seus alunos e às demandas de seu contexto de ensino. Entende-se “instanciação” neste texto como a concretização flexível de um objeto, extremamente elástico, capaz de produzir inúmeras variantes e de se adaptar a diferentes contextos.

 

1. DO OBJETO DE APRENDIZAGEM AO RECURSO EDUCACIONAL ABERTO

Objetos de Aprendizagem têm sido definidos de várias maneiras (LEFFA, 2006), desde a ideia, mais genérica, de qualquer objeto usado para fins educacionais até a definição, mais específica, proposta pela Universidade de Wisconsin:
Pequena unidade eletrônica de informação educacional que se caracteriza por ser flexível, reusável, customizável, interoperável, recuperável, capaz de facilitar a aprendizagem baseada nas competências e aumentar o valor do conteúdo (WISC-ONLINE, 2005, tradução minha).

Para este texto, em que se tenta demonstrar a tese da abertura e adaptabilidade dos recursos educacionais, parte-se do conceito de Wiley (2000a, p. 2), em sua tese de doutorado, pela sua pertinência ao que se propõe expor aqui, incluindo a ênfase na modularidade:

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Objetos de aprendizagem são um novo tipo de aprendizagem mediada por computador fundamentada no paradigma da ciência computacional orientada a objeto. Orientação a objeto prioriza a criação de componentes (chamados “objetos”) que podem ser reusados (tradução minha).

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A orientação a objeto, citada por Wiley, refere-se a uma abordagem de programação em que determinados blocos de código, cuidadosamente elaborados e testados, configuram-se como objetos que são reaproveitados por outros programadores.  Ao criar um sistema computacional, por exemplo, basta ao programador enviar as variáveis a serem analisadas ao bloco de código preexistente, que os processa e devolve o resultado desejado, sem necessidade de o programador reescrever todo o código. Na internet há vários algoritmos prontos para serem usados, incluindo, por exemplo, algoritmos para receber uma foto do usuário e inseri-la numa página da internet, corrigindo possíveis distorções; programas para calcular o ranking do usuário numa determinada competição; recursos para a inserção de chat; além de objetos mais complexos, como editores de texto, que podem ser gratuitamente incorporados a um projeto. A ideia de Wiley é de que o mesmo princípio de reaproveitamento, usado na informática, possa também ser usado para a construção dos OAs.

Está implícita aí a proposta de que os OAs podem ser definidos como objetos mínimos de aprendizagem, entendidos como elementos de um conjunto maior, partindo do conceito de átomo, visto como partícula tradicionalmente indivisível da matéria, um conceito que perpassa a filosofia ocidental, dentro e fora da aprendizagem. O que é relevante aqui para o desenvolvimento da tese implícita neste texto é de que essas unidades mínimas podem ser combinadas com outras e produzirem substâncias diferentes, dependendo da forma como são combinadas. Num exemplo extremamente simples, se considerarmos as letras do alfabeto como unidades mínimas de possíveis combinações, temos para a palavra “amor” arranjos como “Roma”, “ramo”, “armo” (do verbo “armar”), “maro” (erva aromática) e “mora”. A possível transformação de “amor” em “ramo” pela restruturação das letras pode parecer um exemplo trivial, mas quando levamos este mesmo princípio para a natureza, combinando átomos para criar novas substâncias, ou para a educação, combinando objetos para produzir aprendizagem, é possível que estejamos explicando um aspecto essencial da aprendizagem e da natureza: as mudanças ocorrem não só por transubstanciação dos elementos, mas também por sua reconfiguração. É o que na Química se conhece como alotropia: corpos totalmente diferentes na sua aparência física podem ser constituídos dos mesmos elementos, diferenciados apenas pela maneira como os átomos se combinam nas moléculas.

A ideia de que a matéria é constituída de partes cada vez menores pode ser rastreada até os filósofos gregos. Demócrito, no século V a.C., já afirmava que tudo que existe no universo é formado de átomos e o que faz a diferença entre terra e água, por exemplo, é o formato e arranjo desses átomos; uma barra de ferro não é um bloco monolítico, mas um aglomerado composto de partículas que se prendem umas às outras. Ainda que a visão atual de átomo não seja mais a de Demócrito, em que o átomo era visto mais como molécula, o que ele diz é importante, na medida em que intui a composição do universo, feita não só de elementos, mas também da combinação desses elementos entre si para formar novas substâncias, pressupondo espaços vazios entre eles:

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A consistência dos aglomerados de átomos que faz com que algo pareça sólido, líquido, gasoso ou anímico (“estado de espírito”) seria então determinada pelo formato e arranjo dos átomos envolvidos. Desse modo, os átomos de aço possuem um formato que se assemelha a ganchos, que os prendem solidamente entre si; os átomos de água são lisos e escorregadios; os átomos de sal, como demonstra o seu gosto, são ásperos e pontudos; os átomos de ar são pequenos e pouco ligados, penetrando todos os outros materiais; e os átomos da alma e do fogo são esféricos e muito delicados (Demócrito, citado por PFEFFER; NIR, 2001, p. 183, tradução minha).

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Essa concepção de Demócrito, de que uma alteração na forma do átomo pode alterar uma substância, transformando, por exemplo, aço em sal, permanece até hoje. Não temos mais ganchos ou pontas nas moléculas, mas a ideia de rearranjo é a mesma: diamante e grafite são alótropos que diferem apenas pelo arranjo geométrico de seus átomos na molécula. A alotropia faz ressurgir a concepção que Demócrito tinha do universo, aparentemente tão eterna quanto o diamante. Mesmo os átomos anímicos, relacionados à alma e ao fogo, que poderiam parecer superados, passam na sua essência a ideia de movimento e energia, que tão bem caracterizam o mundo contemporâneo.

Os átomos de Demócrito lembram os elementos de um jogo de Lego que, metaforicamente, têm sido usados para explicar a constituição do Universo, como faz, por exemplo, a Professora Maria Elmina Lopes do Departamento de Química da Universidade de Évora, quando afirma que “...[O] Universo [é] um gigantesco jogo de Lego, formado por blocos pequeninos de diferentes tamanhos e formatos que se encaixavam uns nos outros” (LOPES, 2014), retomando o que já dizia Alberto, o personagem filósofo, do romance O mundo de Sofia, falando para a adolescente:

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E agora já percebes o que eu queria dizer com as peças do Lego? [...] Elas possuem mais ou menos as propriedades que Demócrito atribuiu aos átomos, e precisamente por isso se pode construir tão bem com elas. Além disso, as peças do Lego têm “ganchos”, com os quais podem ser encaixadas umas nas outras; por isso podem ser transformadas em todas as figuras possíveis (GAARDER, 2011, p. 33).

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A metáfora do Lego é relevante para o conceito de OAs por cristalizar a ideia de modularidade, não como um quebra-cabeça, que produz sempre o mesmo resultado, restaurando o objeto original de onde as peças foram tiradas, mas como um jogo de montar, em que as peças podem ser combinadas de modos diferentes, produzindo resultados diferentes. Wiley (1999) chama a atenção de que o Lego pode não ser uma metáfora adequada para explicar os OAs, pelo risco de alguém entender que as peças podem ser combinadas de qualquer maneira. Prefere a metáfora do átomo, que impõe restrições de vinculação para as possíveis combinações e exige um determinado nível de preparação e conhecimento do professor. Entre a limitação do quebra-cabeça, como puzzle, e a abertura maior do jogo de montar, prefere-se ver os OAs como jogos de montar, pela possibilidade de soltar a criatividade, a ponto talvez de criar o que ainda não foi criado. Por isso, discorda-se aqui de Wiley, que restringe a montagem das peças ao que já existe.

O grande salto no rearranjo das partículas acontece quando passamos do mundo analógico para o digital. Negroponte (1995) aborda esse ponto de maneira criativa, quando chama a atenção para a diferença entre átomos e bits, mostrando que CDs e livros impressos, por exemplo, são feitos de átomos, enquanto que o conteúdo desses livros e CDs, transformados em arquivos de computador, são bits. Diferentemente do material impresso, o material digital é teletransportável, de baixo custo e facilmente manipulável (LEFFA, 2002), permitindo, por exemplo, que qualquer conteúdo digital seja transmitido de um lado a outro do planeta em alguns segundos, a um custo ínfimo e suscetível a todas as alterações que o destinatário achar convenientes, desde aumentar ou diminuir o tamanho das letras para a leitura do texto até alterar seu conteúdo para contextualizá-lo a um determinado público, caso se trate, por exemplo, de algum material de ensino.

Com o advento da informática e a passagem dos átomos para bits, as transformações ficaram bem mais fáceis; não se evolui apenas do átomo para o bit, indo do sólido ao líquido, mas também daí para a luz. No mundo dos átomos essas transubstanciações são bastante difíceis; a conversão de grafite em diamante só é possível em altíssimas temperaturas, sob grande pressão. Para transformar água em vinho, só um milagre. Já no mundo digital, usando técnicas como a de morphing, podemos rejuvenescer pessoas, embelezar monstros ou transformar pessoas em ciborgues. Estamos no mundo da luz, como muito bem explica Haraway (1991, p. 153):

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As melhores máquinas são feitas de sol; são apenas luz, nada mais do que sinais, ondas eletromagnéticas, uma faixa do espectro, eminentemente portáteis. O ciborgue é éter [...]. Os engenheiros são adoradores do sol, mediando uma nova revolução científica (tradução minha).

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A facilidade de edição, no mundo digital, que diminui a distância entre produtor e usuário, criando a figura do “produsuário” (BRUNS, 2007) é mais um aspecto que contribui para a ideia do que poderia ser chamado de imaterialidade da matéria, uma espécie de volatilização das substâncias, reunindo a filosofia de Demócrito ao jogo do Lego e à Web 2.0. Num primeiro momento, temos a transformação do sólido para o líquido, que tem despertado interesse no mundo acadêmico, incluindo, por exemplo, Bauman (2001; 2004; 2005), geralmente numa perspectiva pessimista, e da cultura popular, de cunho mais otimista, de onde se transcreve o excerto abaixo, retirado de um vídeo de Bruce Lee em uma entrevista postada em 2013, mas realizada em 1971:

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Esvazie a mente. Quebre o molde. Perca a forma. Seja como a água. Você põe água em uma garrafa, ela se torna a garrafa. Você põe água em uma chaleira, ela se torna a chaleira. Seja água, meu amigo (LEE, 2013, tradução minha).

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Num segundo momento, ressignificando uma metáfora do Manifesto Comunista de Marx, podemos dizer que “Tudo que é sólido se desmancha no ar”; então o mundo não apenas se liquefaz, mas se volatiza, como se fosse transformado em vapor ou gás, onde as partículas ocupam todo o espaço disponível, aumentando o vazio entre elas. Em uma visão holística, em que tudo está relacionado, percebemos que essa volatilização perpassa o mundo físico e invade as relações pessoais, deixando grandes espaços vazios entre as pessoas, geralmente trazendo uma visão extremamente pessimista para os intelectuais, como se pode perceber em Hall e Bauman. Para Hall (1998, p. 75), por exemplo, “...as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem ‘flutuar livremente’”. Para Bauman (2005, p. 31), não há mais solidez nos novos relacionamentos que

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[d]ificilmente poderiam ser um substituto válido das formas sólidas [...] de convívio que, graças à solidez genuína ou suposta, podiam prometer aquele reconfortante (ainda que ilusório ou fraudulento) “sentimento do nós” – que não é oferecido quando se está “surfando na rede”.

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Os OAs, com o tempo, parecem ter perdido a solidez de objetos. Vistos inicialmente como blocos monolíticos, foram aos poucos substituindo o atributo da reusabilidade, uma de suas principais características, pelo redirecionamento adaptativo, permitindo seu reaproveitamento com a introdução de mudanças e, desse modo, evoluindo para o que se convencionou chamar de Recursos Educacionais Abertos, os REAs. O próprio Wiley, um dos criadores dos OAs, tornou-se com o tempo um dos principais divulgadores dos REAs (WILEY, 2006; 2007; 2012), propondo os quatro Rs que, segundo ele (WILEY, 2007), os caracterizam: (1) Reusar (simplesmente usar o recurso como é encontrado); (2) Reelaborar (transformar o recurso para atender às próprias necessidades); (3) Remixar (combinar o recurso com outros recursos); (4) Redistribuir (compartilhar o recurso reusado, reelaborado ou remixado). Tudo isso só é possível no mundo da “produzagem”, quando passamos da Web 1.0 para 2.0, da matéria para a luz, do átomo para o bit, onde temos a liberdade de mexer nas partículas mínimas que compõem o mundo digital.

O termo Recurso Educacional Aberto, segundo Santos (2013), foi criado no Forum on the Impact of Open Courseware for Higher Education in Developing Countries, promovido pela Unesco em 2002 e definido como:

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[…] recursos de ensino, aprendizagem e pesquisa que estejam em domínio público, ou que tenham sido disponibilizados com uma licença de propriedade intelectual que permita seu uso e adaptação por terceiros (SANTOS, 2013, p. 21).

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Duas características que merecem destaque na definição do REA acima, são, em primeiro lugar, a ideia de que o REA seja de domínio público, permitindo, portanto, livre acesso para que seja usado e reusado por qualquer pessoa, sem qualquer restrição; a segunda característica é que possa ser também adaptado por terceiros sem necessidade de solicitar permissão. Esses pontos serão retomados na próxima seção.

 

2. OS ELEMENTOS QUE COMPÕEM UM RECURSO EDUCACIONAL ABERTO


A questão do domínio público e da possibilidade de adaptação são características essenciais, mas não refletem outros aspectos importantes dos REAs, ainda pouco abordados pela literatura da área e que merecem uma reflexão maior, começando pela escolha, extremamente apropriada, dos termos que compõem a sigla: por que “Recurso”, por que “educacional” e por que “aberto”. É o que se fará nesta seção, tentando justificar por que é importante que seja recurso, como se constitui o elemento educacional deste recurso e, finalmente, como implementar sua abertura e adaptação.

A ideia mais comum que se tem de recurso é de que ele é um meio que se usa para alcançar um fim, deixando mais clara a ideia de instrumento, ao contrário de objeto, que pode ser tanto meio como fim. Em relação ao objeto de aprendizagem, fica sempre a dúvida se ele afinal é um artefato cultural que usamos como meio, seja um livro ou um vídeo, para adquirir um determinado saber contido nesse artefato ou se é o próprio saber, como a elaboração de um pôster em francês ou formas de polidez em espanhol. Essa ambiguidade entre meio e fim com relação ao termo “objeto” é um problema sério nos estudos dos OAs, pela dificuldade inicial que eles têm de se definirem como instrumentos ou como objetos de estudo. Sendo ambos, como acaba acontecendo, geram uma confusão conceitual que atrapalha os estudos da área, tanto numa perspectiva cartesiana de separação entre sujeito e objeto como numa perspectiva sociocultural, em que o sujeito apropria-se do objeto, e talvez até numa perspectiva pós-moderna de constituição do sujeito pelo objeto.

É na perspectiva sociocultural, no entanto, que a ideia de recurso como instrumento parece trazer sua maior contribuição, teórica e prática, para uma pedagogia da ação, com ênfase no conceito de affordance. Quando a relação entre o sujeito e o objeto deixa de ser direta para ser mediada por algum instrumento físico ou psicológico, principalmente a partir das ideias de Vygotsky e da Teoria da Atividade (VYGOTSKY, 1998; LEONTIEV, 1978; ENGESTRÖM et al, 1999; NARDI, 1996; COLE, 1996; WERSTCH, 1998; DANIELS, 2002), o conceito de recurso adquire uma importância maior porque potencializa o sujeito, capacitando-o a fazer o que ele seria incapaz de fazer sozinho. Vê-se aqui, portanto, a relação entre sujeito e instrumento não de modo competitivo mas colaborativo: o homem com a máquina e não contra a máquina. O jogador precisa da bola para jogar; o pianista, do piano para dar o concerto. O sujeito é capaz de se desenvolver até um determinado ponto, quando atinge seu teto de desenvolvimento, tanto mental como físico. Para ir além desse teto, só é possível com a ajuda de instrumentos (LEFFA, 2013).

Em termos de capacidade mental, nossa memória de curta duração, por exemplo, é extremamente limitada (SWELLER, 2003), ficando em torno de sete itens. Quando usamos um notebook com a capacidade de 2 terabytes, no entanto, podemos armazenar o equivalente a uma biblioteca de um milhão de livros, cada um do tamanho da bíblia, incluindo o antigo e o novo testamento; e com acesso quase imediato a qualquer palavra em qualquer um desses livros. Essa desproporção entre a capacidade de nossa mente e a capacidade dos recursos de que dispomos existe não só para armazenar dados, mas também para processá-los: uma análise estatística, executada em alguns segundos por um aplicativo computacional, é impossível de ser realizada por um ser humano sem a ajuda de algum recurso. De acordo com Pea (1993, p. 47), a inteligência fica distribuída entre mentes, pessoas e recursos simbólicos e físicos. Os instrumentos são recursos poderosos que podem construir impérios, e também destruí-los, empoderar pessoas e mudar seu comportamento.

O recurso ocupa o espaço que está entre o sujeito e o objeto, entre o desejo e a gratificação e, na aprendizagem, entre o aluno e o conteúdo a ser internalizado. É nesse espaço que o professor atua. Não trabalha diretamente na cabeça do aluno, alterando as sinapses entre os neurônios, como um soldador que conecta os elementos de um circuito integrado; como também não pode alterar o conteúdo que o aluno precisa aprender. Talvez o professor de inglês, por exemplo, preferisse que a língua inglesa tivesse menos fonemas, porque seria mais fácil ensiná-la, mas não tem como eliminá-los. O que pode fazer é trabalhar o espaço entre o aluno e o conteúdo, utilizando os recursos aí disponíveis ou que possam ser introduzidos, para ampliar sua ação como professor e facilitar a aprendizagem do aluno. Às vezes há resistências que precisam ser vencidas para adquirir o domínio e apropriação de um determinado recurso (WERTSCH, 1998), com o desafio maior de ter que discernir claramente o que é relevante e o que é apenas modismo. O recurso potencializa o aluno, permitindo que ele faça mais e aprenda mais, pela modificação de seu comportamento; nas palavras de Vygotsky (1981, p. 139-140):

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A inclusão de uma ferramenta no processo do comportamento [...] altera o curso e as características individuais [...] de todos os processos mentais que entram na composição do ato instrumental, substituindo algumas funções por outras.

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A segunda palavra da sigla REA, refere-se à letra “E”: educacional. O problema aqui é explicar como um determinado recurso torna-se educacional. Dizer, por exemplo, que um recurso educacional é um recurso usado na educação, é demonstrar uma circularidade viciosa. Por outro lado, oferecer várias definições para o mesmo objeto, (MCGREAL, 2004), tentando abranger tudo, leva a um problema oposto, que também não contribui para esclarecer o significado que se procura.

Propõe-se aqui uma definição mais operacional, que é a seguinte: recurso educacional é aquele que exige do aluno um envolvimento experiencial; deixar, por exemplo, uma turma de alunos assistindo a um vídeo para cobrir a falta de um professor não transforma o vídeo automaticamente em recurso educacional, mas um vídeo acoplado a um questionário, que os alunos devem responder e entregar ao professor já o é. Um romance, por si só, não é um recurso educacional, mas o será com perguntas intercaladas entre os capítulos ou como tema de discussão em uma sala de aula. A Gramática Pedagógica do Português Brasileiro (BAGNO, 2011), sem exercícios de fixação ou debate, não é um recurso educacional, mas o Manual de Sintaxe (MIOTO et al. 1999) o é. A qualidade e relevância do vídeo, do romance ou das gramáticas são aspectos circunstanciais; podem ser importantes, mas não caracterizam o conteúdo educacional de um recurso na sua essência, usando a definição operacional apresentada aqui.

Pensa-se o conteúdo educacional como uma atividade que envolve a prática documentada do aluno. Não basta a ele apenas ler um texto ou assistir a uma palestra, supostamente entendendo o que está lendo ou ouvindo; precisa fazer alguma coisa, precisa tentar, experimentar e agir em um determinado sistema, provocando feedback, que num ambiente digital é sempre imediato. Esse feedback pode sugerir pistas quando o aluno erra e incentivar a prosseguir quando acerta – incentivando a prática e deixando rastros que documentam o que foi tentado ou feito. Lugares como as redes sociais e principalmente os games, que valorizam a participação e desempenho do usuário, incentivando a ação, e não meramente a recepção, são também lugares de intensa aprendizagem (GEE, 2004).

O processo de dotar um recurso com conteúdo educacional, de certo modo, didatizando-o, é sempre um empreendimento muito arriscado porque pode destruir o objeto de estudo, seja um poema, um texto de Bakhtin, um quadro famoso ou um filme cult. Isso acontece, por exemplo, quando o autor da atividade prende-se a detalhes totalmente irrelevantes, que nada contribuem para compreender a obra que está sendo discutida; em vez de trazer para o aluno aspectos essenciais de qualificação do texto, fica no pretexto de algum ponto gramatical, restringindo-se a alguma liturgia didática que tem como principal consequência desmotivar o aluno. A tese, defendida aqui, é de que com o domínio dos recursos digitais, hoje disponíveis, a produção de conteúdo educacional ficou mais viável, interessante e criativa, ainda que não necessariamente mais fácil. A aquisição desse domínio é um processo lento, que exige do sujeito uma atitude positiva em relação à tecnologia digital, buscando o que se define aqui como “deslumbramento crítico”, caracterizado pelo equilíbrio entre a sustentabilidade do entusiasmo e a adoção de uma perspectiva crítica construtiva, não levando a desistir na primeira dificuldade, não rejeitando sumariamente as possibilidades de inovação e não embarcando numa crítica negativa. A presença do conteúdo educacional em um determinado recurso digital pressupõe uma nova maneira de trabalhar e pensar, com alteração das dimensões espaciais e temporais, usando simultaneamente texto, imagem, áudio e vídeo, a fim de produzir uma atividade interativa na tela do computador, que vai muito além de um exercício impresso numa folha de papel. Supõe a ação relevante do aluno, não só fazendo algo, mas, idealmente, fazendo algo que tenha significado. O uso adequado dos recursos da informática pode contribuir para que isso aconteça e, por esse motivo, pode valer a pena adquirir o domínio desses recursos.

Finalmente, chega-se ao terceiro elemento da sigla REA: o “A”, que se toma aqui em sentido duplo, não só para “Aberto”, mas também para “Adaptativo”. Temos, então, uma proposta “3A”, que pode ser formulada nos seguintes termos: A = A +A, ou seja, Abertura = Acesso + Adaptação.

A ideia de abertura como acesso, implica o domínio público do recurso sem qualquer tipo de restrição, quer seja operacional, financeira ou geográfica. Em termos operacionais, a abertura de acesso significa que o recurso pode ser acessado por qualquer usuário, independentemente do dispositivo que esteja usando no momento, seja um smarthphone, um tablet, um netbook, um computador de mesa e mesmo a TV; e independentemente do sistema operacional do dispositivo: Windows (Microsoft), IOS (Apple), Android (Google), Linux (software livre). Idealmente deve estar aberto ao que existe e ao que vier a existir. É o princípio da interoperabilidade, um dos aspectos que mais têm evoluído na área da computação. Vale a pena lembrar que os primeiros computadores na década de 1950, como o IBM 704, tinham um sistema operacional único para cada máquina, inviabilizando a comunicação entre uma máquina e outra. Foi só na década de 1980 que surgiram os sistemas operacionais genéricos, como o UNIX e o DOS, capazes de rodar em máquinas diferentes, permitindo a compatibilidade intrassistema operacional: uma máquina com DOS poderia se comunicar com outra que rodasse DOS, mas não ainda com uma que rodasse UNIX, por exemplo. Com a expansão da internet, e principalmente com a computação em nuvem, os sistemas operacionais, literal e figurativamente, vão para o espaço, e a compatibilidade se universaliza: um arquivo criado numa máquina que roda Windows pode ser visualizado numa outra que roda Linux, IOS ou Android, e em qualquer dispositivo, do smartphone ao computador de mesa. O movimento conhecido como “Bring your own device, BYOD” (“Traga seu próprio dispositivo”) finalmente se concretiza. Os sistemas operacionais tornaram-se invisíveis. O usuário comum, com o tempo, não sabe, e nem precisa saber, que sistema está rodando em sua máquina.

Em termos financeiros, há dois aspectos a considerar: a gratuidade do que é oferecido ao usuário e o acesso ao dispositivo para ingressar na rede. O avanço parece ter sido maior na gratuidade, considerando por exemplo a expansão das redes sociais (ex.: Facebook ), dos Wikis (incluindo o WikiEducator ), dos motores de busca (ex.: Google ) e dos próprios REAs . Em relação aos dispositivos de acesso, discute-se bastante a questão da exclusão digital, muitas vezes com ênfase nas “extensas camadas das sociedades que ficaram à margem do fenômeno da sociedade da informação e da expansão das redes digitais ”. Reforçando essa mesma ideia, Sorj e Guedes (2005, p. 102), em um dos estudos mais citados da área afirmam que “a introdução de novas TIC aumenta a exclusão e a desigualdade social”. Em oposição a essa perspectiva pessimista há uma outra mais otimista e pacificadora, com base principalmente nas ideias de Levy (1999), compartilhadas com o que se expõe abaixo, mas não necessariamente dele. Entende-se que a afirmação de Sorj e Guedes precisa de alguns reparos. Em primeiro lugar, sempre que surge uma nova tecnologia, surge uma legião de excluídos: quando se inventou a escrita, por exemplo, surgiram os analfabetos, que antes não existiam; e que foram incluídos entre os alfabetizados de modo muito mais lento do que acontece atualmente em relação à inclusão digital. Em segundo lugar, o estudo de Sorj e Guedes é feito com dados coletados no Brasil em 2003, quando ainda não existiam smartphones, netbooks, internet móvel e um desktop custava mais do dobro do que custa atualmente, com a metade da capacidade de processamento, ou seja, menos de 25% do preço atual, se corrigido pela inflação do período (LANDIM, 2013). O valor necessário para informatizar um aluno na época, hoje informatiza quatro, usando netbooks convencionais; se usar os recursos da computação em nuvem, informatiza sete, com máquinas mais leves, mais portáteis e de uso muito mais amigável, dispensando, por exemplo, atualizações e gerenciamento de antivírus. É obvio que não se pode ser ingênuo e achar que, de repente, a humanidade se solidarize e tudo se resolva com as tecnologias; mas também não se pode negar que atualmente, embora muita informação ainda seja sonegada, o acesso a ela ficou muito mais barato e fácil. Outro aspecto que também deve ser mencionado é que nem sempre a exclusão é induzida por problemas de ordem financeira; há também casos de pessoas que, por outras razões, optam por não se inserir no mundo digital (KVASNY; TRAUTH, 2002).

A geografia foi durante muito tempo um fator excludente. Morar longe de um centro urbano significava não ter acesso à escola, principalmente aos níveis superiores de ensino, sendo que em alguns lugares essa exclusão chegava até o ensino médio. Atualmente, os REAs oferecem a possibilidade de derrubar fronteiras não só entre a cidade e o campo, mas até entre países, permitindo, por exemplo, que um aluno no interior do Brasil possa assistir, sem sair de casa, a diferentes cursos das mais prestigiosas universidades do planeta, conhecidos como MOOCs (Massive Online Open Courses). A mesma tecnologia que exclui no momento inicial também pode incluir mais adiante, quando se dissemina.

O mesmo “A” de abertura ao acesso é também usado aqui como abertura para adaptação, vendo-se adaptação como ajustamento ou transformação de um artefato. Há ajustamento quando a mudança do artefato é menor, “O livro foi adaptado para deficientes visuais”, e transformação quando essa mudança é maior, “O livro foi adaptado para o cinema”. No ajustamento, o livro continua sendo livro, sem mudar de natureza, mas na transformação, o livro deixa de ser livro para ser filme, mudando sua essência. A variação entre ajustamento e transformação não é categórica (ou uma ou outra), mas contínua (entre um extremo e outro), formando um gradiente. Com a hibridização dos REAs, que passam facilmente do texto verbal para a imagem e do áudio para o vídeo, misturando e separando as modalidades, ainda que abordando o mesmo tópico, todos os pontos do gradiente entre ajustamento e transformação podem ser utilizados no processo de adaptação, pendendo mais para ajustamento, com tendência a permanecer dentro da mesma modalidade, ou para transformação, quando migra de uma modalidade para outra (de texto para filme, por exemplo).

A questão fundamental da adaptação dos REAs é criar uma metodologia que viabilize a mudança, seja por ajuste, por transformação ou por qualquer corte de distribuição entre os dois. A proposta inerente a este projeto é de que a adaptação envolve uma desmontagem do REA em seus componentes, alteração em um desses componentes, seguida de uma remontagem. Isso significa que o REA, ao contrário de um objeto de aprendizagem, não pode ser um bloco monolítico; precisa estar sempre aberto para que a mudança desejada possa ser introduzida, no momento em que for necessário. Supõe a existência de um repositório de peças que possam ser usadas por um sistema do tipo self-service, à semelhança do que acontece, por exemplo, com um tocador de áudio digital, que permite ao usuário selecionar as músicas que deseja ouvir e criar suas próprias trilhas sonoras: músicas para correr, para dirigir, para momentos de tristeza, etc. É o que se pretende demonstrar na próxima seção, ao propor a elaboração, adaptação e compartilhamento de REAs, usando o princípio da colaboração em massa.

 

3. MODELO DE IMPLEMENTAÇÃO DE UM RECURSO EDUCACIONAL ABERTO


O desafio aqui é criar um sistema de autoria para a produção de REAs que incorporem os quatro Rs propostos por Wiley (2007): (1) reusar, aproveitando um recurso já disponível em algum repositório, elaborado por outros usuários; (2) reelaborar, adaptando o recurso para as necessidades de um determinado contexto; (3) remixar, combinando diferentes recursos; e (4) redistribuir, compartilhando o recurso. Um pequeno problema no modelo de Wiley é a ausência de um REA inicial, que viabilize os quatro Rs, pressupondo aqui que o REA seja um artefato digital com conteúdo educacional, e não meramente qualquer artefato disponível na internet. O prefixo “re”, no sentido que é usado pelo autor, dá a ideia de que se parte de algo preexistente: só é possível reusar algo que já foi não só usado, pelo menos uma vez, mas também elaborado. Antes de usar qualquer um dos quatro Rs dos REAs, portanto, é necessário que o REA tenha sido intencionalmente construído por alguém com esse objetivo educacional; não é algo que surge espontaneamente na rede. Esse é o primeiro ponto: criar um sistema de autoria que produza esse REA original, necessário para dar partida a outros REAs.

O segundo ponto é viabilizar os quatro Rs. A ideia básica aqui é disponibilizar um espaço na nuvem onde os REAs possam ficar armazenados em um repositório para proveito de professores e alunos, reusando, reelaborando, remixando e redistribuindo o que aí estiver depositado. Para três desses Rs (reusar, remixar e redistribuir), já existe uma tecnologia pronta, com base na criação de bancos de dados e inúmeras propostas de software para a hibridização das diferentes modalidades (BUZATO et al, 2013). O problema é o quarto R: como reelaborar um REA, na perspectiva adaptativa, que se visualiza aqui?

Para resolver esse problema, propõe-se a “modularidade elástica”, tentando resolver um problema já antecipado por Wiley (2000b): o de que os objetos de aprendizagem não são peças de um jogo de Lego, que possam ser combinadas de qualquer maneira para formar uma unidade de ensino, mas átomos, que só podem ser combinados de uma certa maneira. No fundo, Wiley via os objetos de aprendizagem como blocos monolíticos, como realmente são as peças de um Lego. A ideia aqui, retomando o percurso que vem dos átomos de Demócrito e vai até os bits de Negroponte, é de que a melhor maneira de alterar um REA é mexer nos módulos que o compõem, usando o mesmo princípio molecular que transforma grafite em diamante, muito mais fácil aqui por estarmos no mundo extremamente moldável dos bits.

A abordagem modular, no entanto, precisa ser usada com cuidado, já que o enfoque no módulo pode levar à fragmentação do REA, vendo-o de uma perspectiva única, sem a visão do todo. Para evitar esse problema, propõe-se um sistema de autoria de REAs, que funcione de duas perspectivas, tanto do produtor, com ênfase na parte, como do usuário, com ênfase no todo, retomando a ideia de “produzagem”. A pessoa que produz o REA está preocupada com sua montagem e tende a ver as partes separadas umas das outras; não vê nem o grafite nem o diamante, mas apenas as moléculas que compõem um e outro; as peças do Lego, achando-as diferentes, mas sem as nuanças de beleza para mais ou para menos. Já o usuário não consegue ver as moléculas, mas apenas o diamante ou o grafite, apreciando talvez o brilho e a dureza do primeiro e desprezando a estrutura quebradiça e carvoenta do segundo. Para resolver essa separação de perspectivas criam-se dois espaços abertos: o do professor, onde o REA aparece desmontado em seus módulos, ou seja, as moléculas que podem ser mexidas e rearranjadas; e o espaço do aluno, onde o REA aparece montado, numa determinada configuração de módulos. Qualquer alteração que se desejar fazer nesse REA, seja para ajustá-lo, transformá-lo ou mesmo duplicá-lo, será feita a partir dos módulos, modificando sua estrutura interna ou deixando-os como estão, mas rearranjando-os dentro do REA. O módulo não é um bloco monolítico como a peça do Lego, mas de natureza maleável, à semelhança da molécula de grafite, cuja estrutura molecular pudesse ser modificada para transformá-la em diamante.

Há alguns aspectos que merecem ser destacados para entender como o sistema proposto aqui funciona. Por questões didáticas de exposição, usam-se os termos “módulo”, “atividade” e “sistema de autoria”. O “módulo” é uma parte do REA e a “atividade” é o REA montado, visto no todo, incorporando os módulos. Os módulos são vistos por quem está no espaço do professor, normalmente o próprio professor; as atividades, por quem está no espaço do aluno, normalmente o próprio aluno. Usa-se o termo “normalmente” porque são espaços abertos e, por isso, alunos e professores podem trocar de lugares. “Sistema de autoria”, finalmente, é o programa de computador que possibilita reusar, remixar, reelaborar e redistribuir os REAs, gerenciando tanto o espaço do aluno como o do professor. Este programa foi batizado de ELO , sigla para “Ensino de Línguas Online”, em português, e “Electronic Language Organizer”, em inglês, elaborado em PHP, que é a linguagem do software livre. Embora o ELO já exista há alguns anos, foi só no segundo semestre de 2013 que passou para a nuvem, na tentativa de transformá-lo em um sistema que possa ser usado em qualquer lugar, em qualquer dispositivo, em qualquer sistema operacional e sem qualquer custo para o usuário, desde que tenha acesso à internet.

É na integração entre módulo e atividade que surge a possibilidade de reelaboração ou adaptação, considerando tanto o conceito de ajuste como o de transformação. O que parece pronto para o aluno foi desmontado e remontado pelo professor ao criar a atividade, com os módulos que produziu, reusou, reelaborou, remixou e redistribuiu, a partir do repositório. Caso o professor tenha reusado um módulo, produzido por ele mesmo ou por seus colegas, o sistema cria uma cópia para ser reelaborada, deixando a versão anterior intacta. Isso significa que os módulos têm, pelo menos, a possibilidade de serem aperfeiçoados com o tempo, produzindo atividades não só adaptadas a determinados contextos, mas com possibilidade de serem mais eficientes.

A modularidade é elástica porque, na adaptação de uma atividade, por ajustamento ou transformação, vários tratamentos são possíveis. Vejamos um exemplo: ao navegar pelo repositório, usando os mecanismos de busca (metadados) do próprio ELO – incluindo, língua, idade, nível de adiantamento e palavras-chave – o professor acaba encontrando a atividade que atende as suas necessidades. Examinando a atividade, acha-a interessante, com exceção de um pequeno detalhe em um dos módulos, que apresenta uma informação inadequada ao seu contexto de ensino. Como gosta da atividade e sabendo que pode modificá-la, resolve selecioná-la, acessando o espaço do professor para fazer a mudança desejada em um dos módulos. Mais tarde, depois de aplicar a atividade com seus alunos, recebe de um deles a sugestão de que seria interessante ilustrar um dos textos apresentados. Nova mudança no módulo para acrescentar a sugestão do aluno. No dia seguinte um outro professor, também adapta a atividade, criando mais uma versão, sem excluir as que já existem, de modo que há agora três variações da mesma atividade. Com o tempo, outros professores vão introduzindo variações e o que era apenas uma única atividade pode ter centenas ou milhares de adaptações.

Como todas as atividades são mantidas no sistema, percebe-se que as mudanças podem caminhar em duas direções, mais ou menos concomitantes, produzindo evolução ou expansão. No processo de evolução a atividade pode ser aperfeiçoada gradativamente, com a contribuição de inúmeros professores, que introduzem mudanças para melhor atender às necessidades dos alunos e as concepções que os próprios professores têm de aprendizagem. No processo de expansão, as inúmeras variações que surgem da mesma atividade ampliam-se numa dimensão horizontal, mais voltadas para atender necessidades locais do que níveis de valoração pedagógica. A multiplicação dessas atividades poderia criar um problema de acesso (como encontrar a atividade desejada?), o que, no entanto, pode ser resolvido pelo uso de metadados, por sugestões dos professores que compartilharem as atividades produzidas nas redes sociais e pelo sistema universal de busca incorporado no próprio sistema, a partir de qualquer termo digitado.

A produção de uma atividade, nos termos definidos aqui, é um trabalho laborioso, na prática só viável pelo princípio da colaboração em massa (TAPSCOT; WILLIAMS, 2007), com um grande número de professores, trabalhando de modo independente a partir de uma mesma atividade.
Como se trata de um sistema aberto, dinâmico, multimodal e interativo, qualquer descrição que se tentar fazer do funcionamento do ELO, na bidimensionalidade do texto impresso, fica limitada por três dificuldades principais: a primeira é reproduzir de modo estático o que é essencialmente dinâmico, levando à necessidade de congelar a ação de um determinado momento para que a análise seja possível; a segunda dificuldade é o prejuízo da multimodalidade, na medida em que  texto impresso permite apenas a recuperação do texto verbal e imagético, sem possibilidade de incluir recursos de áudio e vídeo; e a terceira é a perda da interatividade que se dá no encontro do aluno com a atividade virtual, mais responsiva as suas necessidades de ajuda, fornecendo feedback situado ou proporcionando pistas para a solução dos problemas encontrados. O que segue é uma breve análise de uma atividade composta de quatro módulos com um exemplo de adaptação, tal como se apresentava no dia 4 de janeiro de 2016. Nessa data o ELO incluía 841 atividades, 3.417 módulos e 1.178 professores cadastrados; o número maior de professores em relação às atividades indica a possibilidade de um professor apenas se cadastrar no sistema, não chegando a produzir atividades.

A atividade analisada aqui aparece em duas versões: uma no modo “Estudo” e outra no modo gamificado (KAPP, 2012)), recurso do ELO para transformar uma atividade em desafio, usando características dos games, como rankings, pontuação e medalhas. Para análise, vamos usar inicialmente a atividade do tipo “Estudo” (Figura 1), composta de quatro módulos: (1) atividade de pré-escuta; (2) atividade de escuta global; (3) atividade de escuta intensiva e (4) atividade de pós-escuta. Num segundo momento, vamos ver como esta atividade pode ser adaptada para se configurar como um desafio, apresentando as características de um game.


Figura 1 – Fragmento de uma atividade do ELO no modo “Estudo”

Fonte: autor


A Figura 1 mostra apenas um fragmento da tela, mas dá uma ideia da estrutura da atividade, mostrando no painel da esquerda os links que dão acesso aos módulos e, no painel maior à direita, a parte inicial da tarefa a ser executada pelo aluno.  Os links à esquerda permitem que o aluno navegue livremente pelos módulos, podendo também optar por zerar a atividade, cancelando os pontos que possivelmente já tenha adquirido, concluir a atividade mesmo antes de terminá-la, mantendo a pontuação já obtida ou simplesmente abandonar a atividade, retornando ao menu inicial. A tarefa a ser executada neste caso, definida como de escuta global, consiste em assistir ao vídeo, mostrado na Figura 1, e remontar os segmentos do discurso na ordem em que foi proferida por Kennedy, podendo parar e repetir o vídeo quantas vezes achar necessário. Não há espaço aqui para analisar o conteúdo de cada módulo, mas seria interessante resumir que o objetivo do primeiro módulo é fazer um aquecimento, do segundo proporcionar uma escuta global, do terceiro uma escuta detalhada e o último levar o aluno a um posicionamento crítico, questionando a frase “Não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer por seu país”. O que poderia ser um lema adequado para o Partido Democrata americano em 1961, hoje pode parecer mais adequado para o Partido Republicano, de base conservadora. Para isso, no último módulo, são usadas várias charges, incluindo uma que mostra um americano berrando a frase “Exija o que seu país pode fazer por você”.

Os módulos de cada atividade são produzidos pelo professor, podendo também serem importados e adaptados do que já existe no repositório do ELO, criando uma nova versão sem excluir os módulos anteriores. O número de módulos em cada atividade é livre, dependendo da decisão de quem o produz. A possibilidade de importar e adaptar em cima de versões anteriores é o que viabiliza a colaboração em massa. A autoria é assegurada pelo próprio sistema, que inicialmente dá ao autor a opção de licenciar ou não sua produção. Caso opte por não licenciar, o sistema automaticamente impede que outros a copiem. Caso opte por licenciar, o sistema, também automaticamente, permite que outros remixem, adaptem, criem e distribuam o módulo copiado, desde que usado para fins não comerciais. A autoria é garantida pela possibilidade de verificar e acessar a todas as versões do módulo, com as cópias que foram feitas a partir dele.

Figura 2 – Fragmento de uma atividade transformada em desafio no modo gamificado.

Fonte: Autor.

A Figura 2 mostra como o mesmo módulo usado na atividade em modo “Estudo” pode ser transfigurado em desafio no modo game. Note-se que aqui o painel à esquerda, onde apareciam os links para acessar os diferentes módulos é substituído por um painel de jogo, mostrando o jogador, seu status, pontuação geral, os desafios vencidos, ranking em relação aos demais concorrentes e conquistas, além de acesso às redes sociais e possibilidade de chat. O acesso livre aos módulos é substituído por uma barra de progresso ao pé da página, sem possibilidade de recuar ou avançar, como acontecia no modo “Estudo”; no game, onde as etapas são vencidas uma a uma, as regras são mais rígidas: o jogador/aluno não avança se não cumprir o que está estabelecido em cada etapa. Na metáfora da teoria de Demócrito sobre as substâncias do universo, os mesmos átomos podem produzir aço ou sal, dependendo de sua configuração dentro da molécula. Aqui, considerando o sistema de autoria usado, o mesmo módulo pode produzir uma atividade de estudo ou um desafio característico dos games.

Na medida em que as alterações são feitas a partir dos módulos, cria-se a possibilidade de uma dupla alteração, a primeira baseada nas modificações dentro do próprio módulo e a segunda pela reorganização dos módulos dentro da atividade. Retomando ainda a metáfora de Demócrito, temos nos módulos os átomos que – como peças elásticas e moldáveis de um Lego flexível, como propunha Wiley (1999) e o próprio Demócrito quando falava em átomos com “ganchos” – propiciam um encaixe melhor dos módulos, levando a uma atividade coesa e bem costurada, sem emendas visíveis. Vimos também que os mesmos módulos, sem alteração interna de sua estrutura, podem ser reorganizados para se configurarem como um game. A tese defendida é de que essa dupla alteração – na estrutura interna do módulo e/ou na reorganização com outros módulos – amplia significativamente as possibilidades de adaptação de um REA. Quando se modifica o todo mexendo nas partes é possível afinar o instrumento para atender com mais precisão os objetivos específicos que se pretende atingir em um contexto situado.

Nos termos definidos neste texto para a noção de REA, percebe-se que o ELO se configura como (1) recurso, (2) educacional e (3) aberto. É recurso porque tem condições de ampliar a ação do professor, tanto como instrumento de mediação para fins pedagógicos como principalmente pela possibilidade de propiciar a colaboração em massa, facilitando a elaboração de atividades de ensino. É educacional porque propicia a interatividade com o aluno, fornecendo desempenho assistido quando necessário; o aluno não apenas lê ou ouve; o aluno faz, e quando faz recebe o feedback adequado, que pode fornecer pistas na construção de um determinado conhecimento. E finalmente é um sistema aberto, tanto em termos de acesso livre para alunos, professores e escolas, como ainda aberto a mudanças e adaptações.

Percebe-se também uma diferença entre a potencialidade que o sistema oferece e a realidade encontrada nas atividades preparadas pelos professores. Alguns parecem ainda estar presos ao formato do texto impresso em papel, caracterizado pela leitura a ser feita pelo aluno, seguida de um questionário a ser respondido. A abordagem socrática, permitida pelo ELO, produzindo uma construção mais envolvente do conhecimento por meio de perguntas, de modo muito mais interativo, ainda é pouco usada.

 

CONCLUSÃO


O objetivo deste texto foi descrever os resultados obtidos de uma proposta de trabalho para o uso de REAs na aprendizagem de línguas, vendo REAs não só como Recursos Educacionais Abertos, mas também adaptativos, no sentido de facilitar as transformações do próprio recurso e, desse modo, viabilizar a colaboração em massa na produção de REAs. Para explicar como isso funciona na sua complexidade e tentar ser o mais claro possível, usou-se a metáfora do Lego, com base na teoria de Demócrito e da química contemporânea, em que um elemento único, como carbono, pode produzir tanto o grafite como o diamante, substâncias distintas, mas que se diferenciam apenas por se organizarem em uma estrutura molecular diferente, com ligações mais frágeis no grafite e mais fortes no diamante.

Foca-se, portanto, nos materiais produzidos pelos professores, usando um sistema de autoria residente em nuvem e compatível com diferentes dispositivos e diferentes sistemas operacionais, capaz de manter um repositório que, no momento do uso, se instancia ou como módulo ou como atividade. Surge como módulo no espaço do professor, onde, pela sua incompletude e fragilidade nas ligações, facilitando a remontagem, permite ser reusado, reelaborado, remixado e redistribuído; no espaço do aluno, surge como atividade, instância em que os módulos se integram em um todo para que a atividade possa ser usufruída na sua completude.

Uma característica importante do sistema de autoria usado é possibilidade de adaptação dos REAs pelo recurso da desmontagem das atividades em módulos, permitindo que se introduza não só a diversificação, multiplicando os REAs, mas também sua evolução, introduzindo a possibilidade de melhoria. A diversificação viabiliza a contextualização do REA para atender a diferentes interesses e necessidades. A possibilidade de evolução pode levar à melhoria do REA em termos de atendimento a determinados princípios pedagógicos e de usabilidade de design. A produção de um REA é uma tarefa laboriosa que exige muito investimento de tempo por parte do professor e, por isso, só é viável numa ecologia de colaboração em massa, como acontece, por exemplo, nas plataformas do tipo Wiki. O sistema usado aqui, no entanto, ao contrário de um Wiki, não resulta apenas em uma última versão melhorada, mas em diferentes versões, que são todas guardadas no repositório. Cada vez que o professor reelabora um REA, cria um clone do REA já existente, deixando intacto o trabalho do colega e expandindo o repositório, tudo acessado por um sistema de metadados embutido no próprio ELO.

Percebeu-se também que tão importante quanto disponibilizar aos professores um sistema de autoria relativamente complexo como o ELO, é tentar mostrar ao professor que ele pode ir além do que já sabe fazer, quer usando e melhorando os trabalhos disponibilizados pelos colegas no repositório, quer construindo em cima de sua própria experiência, transpondo os limites do texto impresso em papel, usando a multimodalidade do mundo virtual e principalmente explorando os recursos da interatividade para construir um diálogo socrático com o aluno. Aquilo que sabe fazer, conversando na sala de aula com os alunos, não deve ser descartado, mas incorporado à atividade virtual, junto com texto verbal, áudio, vídeo e games interativos. O sistema de autoria usado neste trabalho permite essa integração.

 

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Agradeço aos pareceristas anônimos pelas sugestões feitas. Os problemas que permanecem são de minha responsabilidade.

Elemento muito presente na cultura popular contemporânea, como mostram o filme The Lego Movie, (LEGO, 2014) e o jogo eletrônico MINECRAFT (2016).

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